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Casamento cansa?

Rosane Mendonça

Atualizado: 17 de fev. de 2020

Uma jovem analisante casada e morando até então na casa da sogra me relata que acabara de se mudar para o tão sonhado apartamento com seu marido, e acrescenta rapidamente à sua fala, um tanto quanto preocupada, os comentários que escutara de seus amigos (leia-se, amigos da onça) após serem informados da novidade.


Todos, ou melhor, todas as amigas lhe dirigem o mesmo texto: “agora você vai ver o que é casamento”, “vai ver o cansaço que você vai ter”, “acabou a vida boa e o sossego”.


Dentre todos os comentários um me chama a atenção: “casamento cansa!”. Relanço a questão. Casamento cansa??? Como é isso??? E a explicação emerge na ponta da língua num misto de fantasias e certezas: “todo mundo diz que uma hora a gente vai cansar do casamento, que é assim mesmo”. Continuo a investigação... “e por que cansaria”? Sem saber ao certo o motivo, vai relatando a rotina do casal de pombinhos nesses primeiros dias no novo ninho. O marido só foi ao supermercado na primeira noite em que se mudaram, enquanto que ela nos quatro dias seguintes, já havia ido cinco vezes. Solicitou “ajuda” ao amado para que pelo menos lavasse a louça após ela preparar o delicioso jantar, caso contrário seria tarefa dela também. Ah, outra amiga (também da onça) disse: “quero ver você conseguir manter suas lindas unhas agora!”.


Se ela continuar nessa rotina, logo, logo vai se cansar desse casamento e do seu pombinho. Por mais amor que se possa ter pela pessoa escolhida, esse sentimento sozinho não é o suficiente para que uma relação a dois não se torne cansativa monótona e se desgaste rapidinho. Claro que alguns dias da nossa rotina de casados e da própria vida são cansativos e às vezes sem graça, mas daí querer colar no casamento o rótulo de que ele cansa já é uma outra questão e merece reflexão.


Muitas mulheres ainda estão envolvidas por esses mitos e fantasias construídos ao longo dos séculos e ainda transmitidos por um discurso patriarcal que sempre quis convencê-las a acreditarem que sua existência seria pautada por lugares e funções definidos por esse patriarcado. Claro, hoje nós já conquistamos muitos lugares e funções diferentes, mas todos e todas sabem que ainda existe muito a conquistar.


“Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não aja como se você tivesse uma opinião que vá contra o status quo”. Essa foi uma parte do discurso que Madonna fez no dia 9 de dezembro ao ser eleita a Mulher do Ano pela premiação Billboard Women in Music 2016, da revista americana “Billboard”, em Nova York. A cantora aproveitou a entrega do prêmio para fazer um discurso de agradecimento emocionado e emocionante sobre a atual condição da mulher.

Ou seja, em pleno século XXI ainda está em pauta essa discussão sobre a função, o lugar e a própria existência da mulher.


Mas apesar dessa resistência, elas estão saindo da dimensão do privado, das funções do lar e estão entrando, não sem esforço e luta, na dimensão pública. Perdão, antes que me corrijam, elas ainda estão no privado, no lar, não saíram dele. Elas mantem essa dimensão caracteristicamente feminina e tentam acrescentam uma nova, caracteristicamente masculina. Será que esse movimento cansa?


E esses novos maridos e companheiros? Que sempre pertenceram à dimensão do público, do fora do lar, será que também estão fazendo o movimento contrário? O movimento de acrescentar o privado ao público?


Essa representação do casamento onde à mulher cabe a responsabilidade por muitas (senão todas) funções, tarefas e cuidados com a casa e ao homem cabe oferecer ajuda se lhe convier, ainda estão presentes em nosso século, com algumas exceções.

Por que se destinou dessa forma a não divisão igualitária das tarefas? Por que ambos não podem participar dos cuidados da casa e dos filhos? Ou será que o marido não faz uso de

tudo que a esposa faz? Ou será que ele não dorme, não come, não toma banho e não se utiliza de todos os bens da casa? Ou será que os filhos também não são dele?


Mesmo nas famílias em que estão presentes as “auxiliares ou secretárias do lar”, como ouço serem denominadas as mulheres contratadas para cuidarem da limpeza e organização da casa e até dos filhos do casal, mesmo nessas famílias a responsabilidade por comandar essas auxiliares e os filhos, na grande maioria das casas ainda cabe à esposa, à mulher.


Creio que numa relação a dois para que ambos não se cansem do dia a dia do casamento e consequentemente um do outro e não queiram abandonar o “ninho” é imprescindível se fazer “ajustes”. Ajuste é o ato ou efeito de ajustar, atitude de integração harmônica em um contexto. Brincando com a palavra pode se pensar que se não é feito esse “a-juste”, pode se ficar “justo”, no sentido de apertado, sem folga. E tudo que aperta sufoca.


Então será que o casamento cansa ou será que faltam os ajustes necessários para que não se queira descartá-lo da mesma forma como se descartaria uma “saia justa”?

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